No dia dois de março, duas semanas após o início do ano letivo, as crianças das turmas Nosso Mundo e Descobrindo me comunicaram que tinham algumas reivindicações. Sofia, uma das mais velhas do grupo, havia transcrito em um papel nove pontos que elas queriam conversar comigo. Convoquei todos para minha sala e lá ficamos por duas horas. Eu não sei se vocês conseguem imaginar o que é uma conversa com quinze crianças sobre diversas situações que elas estavam desgostosas com o nosso trabalho, com a rotina delas.
Nas reivindicações havia sobre o pouco tempo de brincar do pátio; sobre a bagunça que os pequenos fazem e elas precisam muitas vezes organizar (a sala Descobrindo com seus livros, é o calo); banheiro sujo; sobre o desperdício de comida dos pequenos, resultando, às vezes, na pouca comida para eles; sobre chegar na mesa do almoço e estar sujo, porque os pequenos assim deixavam e ninguém estava limpando; sobre o furar a fila na hora do almoço; sobre os buracos no jardim que atrapalham o futebol; sobre a lama. Nessa série de coisas eu, como diretora, sabia que ali faltavam algumas organizações nossas como equipe, o olhar coletivo de todos para todas as turmas, que precisávamos melhorar.
Sabia também que havia ali a falta do olhar deles para os deveres deles, algo que muitos adultos seguem fazendo até hoje, culpamos os outros e o meio, por coisas que podemos mudar/melhorar. E numa educação para a vida, deveres e responsabilidades são pontos que diariamente trabalhamos como equipe e com as crianças. Havia também a possibilidades de refletirmos e, quem sabe, praticarmos as virtudes de que tanto falamos na Filosofia: o servir, a disciplina, a humildade, ser trabalhador, ser respeitoso, ser honrado, etc. Havia inúmeras possibilidades intrínsecas às novas reivindicações, por isso a conversa se ampliou para uma reflexão conjunta, um diálogo onde cada criança trouxe seu olhar sobre as coisas boas, as coisas ruins e como todos precisavam se comprometer a melhorar.
Como educadora de Filosofia dessas crianças e diretora desta Escola, que leva a sério o termo “protagonismo da criança”, esse é um dos momentos mais gratificantes que eu posso viver. Há nesse gesto, nessas duas horas de conversa, algo muito grandioso. São crianças entre sete e onze anos, que queriam resolver seus problemas e achar soluções, com base no diálogo e no coletivo, buscando o justo para todos.
Então, queridas famílias, eu não tenho dúvida de que vocês escolheram o Nosso Mundo por acreditarem na nossa educação, por abraçarem esse Ensino Fundamental que se propõe a dar para a criança um conteúdo diferenciado, além do que rege a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, que muitos sabemos o quão obsoleta é em alguns campos. Contudo, eu faço questão de registrar aqui, nesse documento histórico, a realização que sinto ao ver que estamos conseguindo construir essa educação a partir do desenvolvimento das crianças como SERES éticos reflexivos, criativos e felizes.
Registro a importância que é elas saberem, num futuro próximo, falar e escutar, defender seus pontos de vista a partir do diálogo com os outros, criando possibilidades para somar em sua comunidade, em nossa sociedade. A importância que é elas terem a inteligência criativa para propor soluções, novos caminhos, outras formas de viver. Registro a força que é essa educação, ao permiti-las se expressarem quando veem uma injustiça, se defenderem quando sentirem necessidade – defendendo seus espaços e tempos, suas subjetividades e bem-estar coletivo. A força da escuta, a potência do diálogo, a transformação a partir do consenso, o crescimento de cada indivíduo.
Me alegro ao ver que iniciamos o ano letivo vivendo algo que o nosso Projeto Político Pedagógico propõe: que a criança precisa desde pequena saber questionar o mundo para poder transformá-lo, para que ela possa SER.
Juliana Bel – Diretora e idealizadora do Nosso Mundo
Texto escrito para o fechamento do 1º trimestre de 2023 do Ensino Fundamental.
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Escola Nosso Mundo
Educação Infantil – Ensino Fundamental
Coqueiros – Florianópolis / SC
