Motivos pelos quais eu optei pelo ensino fundamental não-tradicional:
A entrada da Olivia no ensino fundamental foi no primeiro ano de pandemia e num colégio tradicional. Já tinha muito receio de como ela reagiria num colégio tradicional, com provas e trabalhos, pois já acompanhava a experiência de outras crianças, filhas de amigas que apresentavam já dor de barriga em véspera de prova, inseguranças diversas, em alguns colégios já haviam até simulados que “premiavam” as melhores notas, um clima de competitividade já nessa idade tão tenra…
Teve aspectos positivos, mas a dificuldade de socialização com as demais meninas começou a gerar alguns sintomas de ansiedade. Tentei conversar no colégio, solicitei uma mediação da professora, mas com muito pouco resultado.
Com a pandemia, os sintomas da ansiedade só pioraram, e as aulas online foram pouquíssimo aproveitáveis, a professora sugeria que as crianças fizessem as atividades propostas para aquele dia na apostila e durante a aula ela apenas ia “corrigindo”, o que na realidade era só pedir para os alunos darem as respostas. Olivia tentava interagir em alguns momentos e a professora pouco dava atenção. De maneira geral, a experiência toda foi muito ruim…
Saindo da pandemia coloquei para mim mesma que a prioridade seria primeiro lidar com o emocional das minhas meninas, e depois pensaria a respeito de conteúdo. Nesse sentido, o Nosso Mundo ofereceu o que eu acreditava (e acredito) ser o mais dentro do que tinha como valores: Movimento, momentos de meditação, estímulo ao pensar e principalmente ao brincar, socializar e ser criança.
Mas acredito que a maior preocupação de muitos é, de fato, como será então o aprendizado das crianças, será que ficarão “atrasados” em comparação aos alunos de escolas tradicionais? Ou mesmo, será que vai ser um choque muito grande quando tiverem que adentrar no ensino tradicional, saberão fazer provas, terão bons resultados?
Primeiramente penso que esse “choque” vai vir em algum momento da vida… que poderia ser agora, no início do fundamental, ou futuramente… eu optei por futuramente, por preferir deixar que eles estejam mais amadurecidos emocionalmente para ter mais instrumentais emocionais para lidar com a pressão e as ansiedades.
Segundo, acredito muito no método de ensino que o Nosso Mundo oferece, o estímulo ao pensar, ao criar, sem seguir uma linha pré-estabelecida, fazer com que eles estejam ativos no processo de aprendizado, que esse aprendizado seja baseado em vivências reais, que aquele conhecimento faça parte da vida real deles e não de uma situação hipotética aprendida em um livro. Quero que eles possam ler e aprender a gramática com textos que lhe agradem, e não a contragosto em um texto que foi proposto pelos criadores de uma apostila que nunca conheceram minha filha.
Existem muitos estudos que mostram que se o aprendizado é feito com prazer, haverá uma maior absorção de conteúdo, a memória funciona de forma muito mais eficaz quando o cérebro está lá banhadinho com endorfinas. Já ao contrário, quando há desprazer no aprendizado, liberamos cortisol, que compromete diretamente o processo de retenção de novas memórias e aprendizados. Cérebro feliz, mais aprendizado.
Não bastando todas essas questões que já estavam muito claras para mim, li recentemente o livro Sociedade do cansaço, do filósofo Byung-Chul Han, autor de inúmeros livros sobre a sociedade atual, em que ele aponta justamente para a forma que estamos vivendo atualmente, As pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados vivem radicalmente a idéia do ‘eu consigo’ e do ‘yes, we can’, (precisam saber mais de tudo, ser multitarefas, proativos, falar 20 línguas, superar resultados, ser competitivo, etc) e como isso tem gerado um aumento significativo de doenças como depressão, transtornos de personalidade, síndromes como hiperatividade e burnout.
Ele também aponta um crescimento do individualismo em contraposição ao coletivo, justamente por essa máxima de competitividade, que está sendo pregada desde tão cedo… vejo que aqui temos justamente o oposto, um trabalho voltado para o coletivo, inclusive não somente entre os iguais, mas interações com crianças menores, diferentes fazendo com que eles saibam lidar com a alteridade, desenvolvam empatia, companheirismo.
E fala ainda algo que acho fundamental, e tão raro hoje, o desligamento do pensamento ativo, hiperconectado em milhares de atividades, e poder abrir espaço para momentos contemplativos, aí ele cita Hannah Arendt que diz:
“Não a vida ativa, mas só a vida contemplativa é que torna o homem naquilo que ele deve ser.” Hannah Arendt
A perda da capacidade contemplativa seria corresponsável pela histeria e nervosismo da sociedade ativa moderna e mais do que isso, na massificação em contraposição da valorização da individualidade do ser humano, tirando dele a capacidade de pensar por si próprio e se tornar apenas um reprodutor do discurso dominante.
Vou finalizar com um trecho que ele traz de Nietzsche:
“Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo”. NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano.
Eu não tenho como prever o fim da jornada acadêmica da minha filha, nenhum de nós pode, mas eu fiz uma aposta nesses valores, que fazem sentido pra mim e para o que eu desejo para minhas filhas, a de serem indivíduos pensantes, antes de meramente mais uma pecinha da máquina. Penso nelas como seres integrais e não só acadêmicos.
Carta de Tuanny, mãe de Olivia e Charlotte, escrita em 2022